A FALTA DE JOÃO PARAIBANO – POR MARIANA TELLES

MARIANA

Confesso que não gostaria de escrever nenhuma linha que falasse sobre João Paraibano, por opção, gostaria mesmo de recolher a minha dor e a dos meus e simplesmente assistir aplaudindo o seu último e eterno vôo. Não sei o nome dos passarinhos da nossa fauna, pouco conheço do mato, mesmo sendo tão dele, talvez se eu conhecesse dos campos e dos vales secos da minha terra estaria agora buscando uma analogia bonita, uma metáfora forte pra comparar João ao mais doce pássaro deles.
-''Minha santa, passe pra seu pai'' , era essa a saudação das inúmeras vezes quando o telefone tocava e eu atendia, em seguida com dois ou três deboches ele e meu pai já fechavam a agenda da próxima semana, sempre num diálogo montado por rima.
Acontece que essa dor dói mais que as outras, dói porque além de ter que sepultar o poeta João, sepultamos também o pai extraordinário que o nosso pequeno gigante foi. Não conto as vezes que eu acompanhava meu pai e via ele ligando a qualquer hora que fosse para as ''meninas'', só pra pedir a benção e dizer Deus abençoe.
Talvez a minha dor se faça tão maior, porque assim como elas tive uma criação vendo meu pai mais no mundo que em casa, mais das plateias que meu, mais da arte, que da família. E mesmo assim mais apaixonado que tudo pelo ''povo de casa'', assim como João.
Quis o calendário da vida que eu estivesse hoje em Recife e fosse acordada com a voz embargada de meu pai, que mesmo em silêncio denunciava a irreparável dor de perder o companheiro de tantos dias, e especialmente, o mais próximo nos últimos tempos. Depois chegar ao Hospital e não encontrar nenhuma palavra de expectativa de vida, somente o silêncio do luto. Posteriormente chegar a casa de Rubinha, sua primeira menina e me abraçar com ela, dividindo sobretudo, a dor de filha, mesmo amparada pela incrível fortaleza que é Lindaura, mulher de fé que mesmo em tanto luto buscava e pregava a palavra divina.
Eu não chorei por fora, mesmo me rasgando por dentro. Mas não vou conseguir passar nem perto de som de viola nos próximos dias.
A dor é de todo mundo. O pequeno gigante ou ''João do Peba'' como os mais de casa chamavam no ápice da brincadeira sadia, foi simplesmente a maior pureza pegando em braço de viola. Sem a erudição das academias mas sabendo ler paisagens, cantando a alma do outro e traduzindo sentimento. Faço da dor das meninas, de Rubinho e de Lindaura uma dor extensiva, que mesmo com tanta peculiaridade se faz de todos, principalmente do sertão tão bem cantado por João.
Ninguém mais vai falar de abelha em velório de flor, de bica tocando baião em lata, de cristo quando novo caminhando no pajeú, da pena feia do passarinho na prisão, dessas coisas que a gente enxerga, mas somente João via.

Os baiões e as farras lá de casa perderam o baixinho da meia dessarumada e da viola canhota, Afogados o adotivo mais filho que aquele chão tinha, e a poesia, o pequeno gigante de Princesa, e eu perdi o parceiro de tantos sonhos e tantos versos de meu pai, e o poeta do maior chaleirado do mundo que eu tinha.

Enquanto existir sertão,
João pulsará pela mata*
Enquanto existir viola
Dando fim a dor ingrata,
Eu estarei vendo João,
Tocando aquele baião
Que nem sua morte mata!*

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