ATÉ QUANDO VÃO FINGIR QUE NÃO É COM ELES?


José Dirceu

Uma charge do cartunista Angeli ilustrou bem o comportamento das autoridades do PSDB diante do escândalo da formação de cartel em licitações de trens e metrô em São Paulo. Com lama até a altura do peito, os personagens da charge fingiam que o problema não era com eles. O comentário que acompanhava o desenho era: “Tucanos… Sempre com os narizes empinados”.

NZI

Tem sido semelhante o procedimento adotado pelo governador de São Paulo desde a revelação do escândalo, detonado quando a multinacional alemã Siemens admitiu ter participado de cartel que atuou em licitações ocorridas entre 1998 e 2008.

Documentos apresentados pela Siemens ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) indicam que o cartel para a linha 5 do metrô da capital paulista se formou em 2000, durante o governo Covas, estendendo-se até 2007, passando pelos governos Alckmin e Serra.

Mas a declaração mais “esclarecedora” oferecida por um tucano até agora, a de Cláudio de Senna Frederico, secretário estadual entre 1995 e 2001, foi de que não se lembrava de, no período, ter acontecido uma licitação, de fato, “competitiva”.

Vale lembrar que o governo do Estado está nas mãos do PSDB desde 1º de janeiro de 1995. Quando o escândalo das licitações de trens e metrô apareceu na imprensa, estranhamente a notícia foi retratada pela mídia tradicional como o primeiro caso de corrupção apenas com corruptores — as empresas privadas suspeitas de formação de cartel, identificadas pelo nome nas reportagens.

As autoridades tucanas do governo de São Paulo ouvidas pelos jornais manifestaram a necessidade de aprofundamento da investigação, como se estivessem completamente alheias ao caso, tratado como uma falha administrativa sem reflexos políticos.

Apenas quando novos documentos entregues pela Siemens ao Cade originaram manchetes revelando que o governo do Estado estava ciente e havia dado aval ao conluio, Alckmin e Serra mudaram de estratégia. Ao invés do silêncio constrangedor, passaram a caracterizar a denúncia como resultado de disputa política. O secretário da Casa Civil do governo de São Paulo, Edson Aparecido, disse que o Cade tem agido como “instrumento de polícia política” para prejudicar o PSDB.

Nesta semana, finalmente as denúncias começaram a sair das editorias de menor relevância para tomar as páginas principais dos jornais. Nesta quinta, a Folha de S.Paulo estampou em sua manchete de capa a informação de que Serra sugeriu que a Siemens fizesse acordo.fausto

A reportagem revela que, conforme e-mail de um executivo da empresa enviado a seus superiores em 2008, o ex-governador sugeriu que a companhia fizesse um acordo com a espanhola CAF para evitar disputa em torno de uma licitação da CPTM. A Siemens, que havia perdido a licitação, ameaçava entrar na Justiça para contestar o resultado da concorrência, e, para evitar a contestação, o governador teria proposto um acerto em que a CAF subcontrataria a multinacional alemã e, assim, as duas dividiriam o contrato.

José Serra, que até então nem sequer se dava ao trabalho de comentar o caso, desta vez, negou tudo. Já o jornal destacou que os documentos que examinou “não contêm indícios de que Serra tenha cometido irregularidades, mas sugerem que o governo estadual acompanhou de perto as negociações entre a Siemens e suas concorrentes”.

Ou seja, novamente o ex-governador é tratado como um mero espectator dos fatos, como se a então autoridade máxima da administração estadual pudesse assistir e aceitar um grave ilícito como o denunciado, sem se tornar responsável pelo mesmo.

Mas os tucanos não podem continuar fingindo que são espectadores passivos desse escândalo bilionário. Isso seria, no mínimo, uma vergonhosa confissão de incompetência e de irresponsabilidade no uso do dinheiro público. Os contratos licenciados sob o esquema foram superfaturados em 30% e os prejuízos aos cofres públicos, de acordo com a Polícia Federal, que também investiga o caso, podem chegar a R$ 577,5 milhões.

Também não podem simplesmente desqualificar as investigações, alegando tratar-se de disputa política, quando há tanto a esclarecer. Nesta semana, a PF indiciou o “homem forte” da gestão de Serra, o vereador tucano Andrea Matarazzo, por suspeita de ter recebido propina para facilitar contrato de R$ 73 milhões com a Alstom, quando foi secretário estadual de Energia, em 1998, durante o primeiro governo de Mário Covas. E para que ninguém se levante para falar em perseguição política, basta dizer que o inquérito policial baseia-se em informações obtidas pelo Ministério Público da Suíça.

O esperneio é só uma cortina de fumaça para caracterizar como disputa ideológica uma investigação que já começa a romper a blindagem da velha mídia — com a qual o PSDB convive há tanto tempo. O Cade é um órgão isento e adequado para a investigação. Que ela revele tudo o que a mídia tanto se esforçou para esconder. Afinal, ninguém mais acredita que, durante tanto tempo, tantos contratos foram licitados sem que a administração do Estado sequer desconfiasse de que os preços eram previamente acertados pelos fornecedores. É preciso saber o quão de perto essas irregularidades foram acompanhadas e toleradas pelo governo paulista.

As consequências dessa suposta “falha administrativa” estão pesando muito para os cidadãos de São Paulo, especialmente para os que sofrem diariamente com serviços públicos de transporte de péssima qualidade. São 20 anos de governos do PSDB no Estado e a pergunta que não cala é: até quando vão fingir que não é com eles?

FONTE: BESTA FUBANA

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