Sem ódio e sem medo – Ivan Maurício

Texto primoroso publicado pelo jornalista Ivan Maurício em sua página do Facebook:

Com o slogan “Sem Ódio, sem medo”, Marcos Freire fez história na política Olinda, Pernambuco e do Brasil. Professor, prefeito eleito de Olinda, deputado federal, senador, ministro, presidente da Caixa Econômica Federal e um dos maiores oradores da vida pública brasileira.

Marcos Freire morreu de maneira trágica num acidente não esclarecido como relata sua irmã Célia Freire:

“Desastre aéreo cujo inquérito até hoje não explicado – pois o inquérito só conseguiu levantar hipóteses.”

Célia Freire recorda como o povo de Pernambuco reagiu durante o enterro de Marcos Freire:

“Naquele dia de tristeza e de pesar, antes do féretro baixar à sepultura, reação popular marcante, sei que jamais esquecerei os brados daquela multidão, o mar de vozes clamando “Justiça! Justiça!” ou “O povo não é bobo! Mataram Marcos Freire! O povo não é bobo!” e, ainda, “Reforma Agrária já!” Impressionante. Desesperador.”

Marcos de Barros Freire nasceu em Recife no dia 5 de setembro de 1931, filho de Luís de Barros Freire, físico e professor catedrático da Escola Politécnica de Recife, e de Branca Palmira Freire.

Marcos Freire fez o primário no Grupo Escolar João Barbalho, cursando o ginásio e parte do colegial no Colégio Marista. Depois de concluir o colegial no Colégio Nóbrega, ingressou, em 1950, na Faculdade de Direito do Recife.

Colegial, na ocasião da democratização do Brasil, Marcos acompanha as passeatas estudantis contra o Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas, e assiste ao comício em que tombaram mortos o carvoeiro Manoel Elias e o estudante de Direito, Demócrito de Souza Filho (1945), que se encontrava ao lado do orador, escritor Gilberto Freyre. Torna-se, desde então, militante da campanha pela redemocratização do Brasil.

Em 1953 tornou-se oficial-de-gabinete do prefeito de Recife, o médico Djair Brindeiro. Ainda em 1955 e no ano seguinte atuou no Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), onde organizou o levantamento da produção científica de Pernambuco.

Durante a gestão de Pelópidas Silveira na Prefeitura de Recife (1956­-1959) exerceu vários cargos na administração municipal. Foi estatístico-chefe do Departamento de Agricultura entre 1955 e 1957, chefe de gabinete do prefeito de 1955 a 1959 e assistente administrativo de 1957 a 1960, já na administração de Miguel Arraes.

Iniciou-se no magistério universitário em 1957, como professor na Faculdade de Ciências Econômicas, função que exerceria até 1968.

Em 1962, quando Arraes ainda era prefeito de Recife, Marcos Freire foi nomeado diretor do Departamento de Procuradoria Geral da Prefeitura da capital pernambucana, função que desempenhou até 1963. Em dezembro desse ano, com a volta de Pelópidas Silveira à prefeitura de Recife, tornou-se secretário de Assuntos Jurídicos e, mais tarde, de Abastecimento e Concessões. Permaneceria nesses cargos até 31 de março de 1964, quando após a deposição do presidente da República, João Goulart, por um movimento político-militar, o governador Miguel Arraes e o prefeito Pelópidas Silveira foram presos e tiveram seus mandatos cassados e seus direitos políticos suspensos.

Dedicado apenas à vida acadêmica, em 1965, Marcos Freire fez o curso de análises econômicas do Conselho Nacional de Economia, no Rio de Janeiro. Retornando a Recife, tornou-se em 1967 professor titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco.

Em 1968 candidatou-se à prefeitura de Olinda, cidade onde residia, na legenda do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição ao regime militar criado em março de 1966 após a extinção dos partidos políticos pelo Ato Institucional nº 2 (27/10/1965). Foi eleito com grande votação. Derrotou, por ampla diferença, a soma dos votos dos dois candidatos do partido governista, a Aliança Renovadora Nacional (Arena). Assumiu o cargo no dia 11 de dezembro do ano seguinte, renunciando dois dias depois em virtude da edição do Ato Ins­titucional nº 5 (13/12/1969) e da imediata cassação do mandato de seu vice-prefeito Renê Barbosa, irmão do ex-prefeito Eufrásio Barbosa.

Afastado da política, passou a lecionar na Escola Superior de Relações Públicas de Recife, onde permaneceu até 1970.
Candidatou-se a deputado federal por Pernambuco na legenda do MDB, em 1970, obtendo a maior votação do estado: cerca de 57.000 votos. Na Câmara dos Deputados, funda com José Alencar Furtado, Fernando Lyra, Jarbas Vasconcelos, Francisco Pinto e Lisâneas Maciel, entre outros, o grupo dos “autênticos” do MDB, a ala mais à esquerda do partido da oposição.

Em novembro de 1974, já no governo do general Ernesto Geisel, elegeu-se senador por Pernambuco derrotando o favorito João Cleofas, da Arena, por uma diferença superior a 120.000 votos.

Crítico severo do regime militar instaurado no país em março de 1964. Favorável à convocação de uma assembléia constituinte como forma de alcançar a legalidade democrática, defendeu a concessão de uma anistia ampla, pregação que desenvolveu a partir de 1977 tanto no Congresso quanto em praça pública.
Candidato ao governo de Pernambuco pelo PMDB nas eleições de novembro de 1982, foi derrotado por Roberto Magalhães, do Partido Democrático Social (PDS), legenda que sucedeu a Arena em seu apoio ao regime militar.

Após a derrota da emenda Dante de Oliveira, que, apresentada na Câmara dos Deputados, em 25 de abril de 1984, propunha o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República, mesmo sem qualquer cargo eletivo, Marcos Freire demonstrou seu apoio ao candidato oposicionista Tancredo Neves na eleição por via indireta no Colégio Eleitoral, reunido em 15 de janeiro de 1985. Tancredo derrotou o candidato do regime militar, Paulo Maluf.

Marcos Freire assumiu a presidência da Caixa Econômica Federal (CEF) em março de 1985. Fiel ao compromisso do presidente Tancredo Neves de dar prioridade ao Nordeste, uma das primeiras medidas de sua administração foi a instalação de um gabinete regional da presidência da CEF na região.

Em junho de 1987, Marcos Freire deixou a presidência da CEF e assumiu o Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário, criado no governo Sarney, substituindo a Dante de Oliveira. Na ocasião, reconheceu a necessidade de aprimoramento da legislação sobre reforma agrária, definindo o Estatuto da Terra como um instrumento legal que promovia a produção.

Marcos Freire faleceu no dia 8 de setembro de 1987 em Carajás (PA), quando o avião em que viajava explodiu logo após decolar. Também morreram no acidente o presidente do INCRA, José Eduardo Raduan, e os assessores Amaury Teixeira, José Teixeira (Deda), Dirceu Pessoa e Ivan Ribeiro, além da tripulação composta Tenente-Coronel-Aviador Wellington Rezende, Capitão-Aviador Jorge Shimomura Júnior e 3º. Sargento Carlos Alberto da Silva. Freire e sua comitiva visitavam alguns projetos do governo na região Norte.

Suspeitas de sabotagem foram compartilhadas por políticos de todas as correntes e tinham como base a solicitação do ministro, pouco antes do acidente, de “grampeamento” do telefone de sua residência, porque vinha recebendo ameaças de morte quase diariamente. Outro dado que reforçava essa hipótese foi divulgado pelo coronel Altair Guedes, chefe da Assessoria de Segurança e Informação do INCRA. Ele disse que um ano antes fora descoberta a tempo a sabotagem de um avião em que viajaria Rubem Ilgenfitz, antecessor de Raduan na presidência daquele instituto.

No dia 21 de outubro, após exaustivas inquirições, a Comissão de Investigação de Acidentes Aeronáuticos concluía que o avião havia caído por falha operacional, ou seja, erro do piloto. Na combinação final, acreditaram os técnicos da comissão na possibilidade de uma falha material.

Freire era casado com Maria Carolina Vasconcelos Freire, de quem teve quatro filhos. Um deles, Luís Freire Neto, foi constituinte e deputado federal por Pernambuco (1987-1988) e prefeito de Olinda (1989-1992).

Para saber mais

Marcos Freire publicou “Contribuições para um levantamento da produção científica em Pernambuco” (1956), “Noções fundamentais de direito” (1968), “Oposição no Brasil, hoje” (1974) e “Nação oprimida” (1977).

Em 2004, sua trajetória foi mostrada no documentário “Marcos Freire – sem ódio e sem medo”, produzido pela TV Câmara..

Fontes

Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) –http://www.fgv.br/…/verbete-biograf…/marcos-de-barros-freire

“Marcos Freire – Contribuições às causas da democracia, do progresso social e do desenvolvimento do Brasil”, organização de Célia Freire d’A Fonseca, Brasília, 1989.
Wikipédia – https://pt.wikipedia.org/wiki/Marcos_Freire