MP de Bolsonaro sobre balanços de empresas pode custar R$ 600 milhões a jornais

Foto: SERGIO LIMA/AFP/Getty Images

Por Lucas Carvalho

O presidente Jair Bolsonaro assinou nesta semana uma medida provisória que permite a empresas de capital aberto a publicação de balanços financeiros no site da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) ou no Diário Oficial da União, de graça.

A MP 892 acaba com a obrigação de publicar os balanços em jornais, eliminando, assim, os custos por parte das empresas, e afetando parte da receita de veículos de comunicação do Brasil. Bolsonaro admitiu que um dos objetivos, além de reduzir custos de empresários, era atingir a imprensa.

Estima-se que publicidade de balancetes movimente R$ 600 milhões por ano.

“No dia de ontem eu retribui parte daquilo que a grande mídia me atacou. […] Essa imprensa que eu tanto amo”, afirmou o presidente em tom irônico durante um evento para empresários na última terça-feira (6). “Espero que o Valor Econômico sobreviva à medida provisória de ontem.”

O Valor é um veículo dedicado especificamente à cobertura de assuntos econômicos e fica sediado em São Paulo. Por isso recebe um volume maior de balanços das empresas: cerca de 70% do total, segundo estimativas do mercado.

Os balancetes são publicados sempre no primeiro semestre, de modo que os efeitos da MP só devem ser sentidos em 2020. Muitos veículos de imprensa disputam a atenção das empresas para tentar garantir a publicação em suas páginas. Alguns chegam a contratar agências de publicidade especializadas no setor – e que também serão afetadas.

Estima-se também que 40% do faturamento do Valor venha dos balancetes. O jornal, como outros veículos de mídia impressa, enfrenta quedas nas receitas de publicidade comum (cada vez mais direcionadas à internet e plataformas como Google e Facebook) e no número de leitores: a circulação, nos 12 meses de 2018, caiu 5,8%, segundo dados do IVC Brasil (Instituto Verificador de Comunicação).

O Grupo Globo, que controla o jornal, não quis comentar as declarações de Bolsonaro publicamente. Mas em editorial publicado nesta quarta-feira (7), o Valor diz que Bolsonaro tem como objetivo “intimidar a imprensa” e que o presidente “não gosta do que lê nos jornais nem das críticas que sofre”, por isso resolveu “revidar”.

“O presidente utilizou seus poderes legais para tentar constranger financeiramente jornais pelo fato de eles publicarem críticas ou avaliações negativas de seu governo, um fato corriqueiro em regimes democráticos. A MP 892 não vai mudar em nada a atitude dos jornais independentes, que não se pautam por objetivos políticos, como o presidente acredita”, diz o editorial do Valor.

Outros jornais de grande circulação também contam com a receita dos balancetes no começo de todo ano, incluindo veículos do Grupo Estado (que edita O Estado de S.Paulo) e do Grupo Folha (que edita a Folha de S.Paulo). Jornais menores que circulam no interior dos estados também devem ser afetados.

Outras reações

Para a ANJ (Associação Nacional de Jornais), a MP 892 vai “na contramão da transparência de informações exigida pela sociedade”. A associação também lembra que o texto altera uma lei sancionada pelo próprio Bolsonaro em abril deste ano.

Na edição de 25 de abril de 2019, o presidente sancionou uma lei aprovada pelo Congresso que exigia a publicação dos balanços em “jornal de grande circulação editado na localidade em que esteja situada a sede da companhia”, e ampliava, para R$ 10 milhões, o valor máximo de patrimônio líquido que empresas devem ter para adotar o regime simplificado de publicidade de atos societários.

À Folhapress, o presidente da ANJ, Marcelo Rech, disse que a mudança a vai exigir de acionistas, inclusive minoritários, “e da sociedade buscar e às vezes com dificuldade encontrar informações das empresas”. Rech também é vice-presidente editorial do Grupo RBS, dono do jornal gaúcho Zero Hora.

Trâmite

A lei que obrigava a publicação de balanços de empresas em jornais foi sancionada em 1976, conhecida como a Lei das Sociedades Anônimas, pelo então presidente-general Ernesto Geisel, durante a ditadura militar. Bolsonaro decidiu em abril que a lei seria estendida pelo menos até 31 de dezembro de 2021.

O fim da obrigatoriedade de publicação de balanços em jornais já vinha sendo discutido pelo Congresso e pelo Planalto desde que Dilma Rousseff era presidente do Brasil. A ideia era criar um regime de transição que implementasse a mudança gradativamente, reduzindo o impacto sobre os veículos de imprensa.

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, criticou a decisão de Bolsonaro e lembrou a ideia de mudança progressiva. “Do ponto de vista teórico faz sentido, não haverá no futuro papel-jornal, essa que é a verdade, mas o papel-jornal hoje ainda é um instrumento muito importante da divulgação de informação”, disse Maia.

“Então, retirar essa receita dos jornais da noite para o dia não me parece a melhor decisão”, disse ainda o deputado, indicando que a Câmara, responsável por aprovar ou não MPs do Planalto, deve alterar o texto assinado por Bolsonaro.