PSB COMPLETA 70 ANOS DE VIDA AINDA EM BUSCA DE UM NOVO LÍDER

Arraes e Eduardo no PSB

Vivendo ainda sob o impacto das ausências de Arraes e Eduardo, partido carece de um substituto que o reunifique (Foto: Arquivo)

No mesmo mês que, coincidentemente, marcou o desaparecimento dos seus dois maiores líderes – Miguel Arraes e Eduardo Campos – o PSB completa, neste domingo (6), 70 anos de fundação. No entanto, depois de ter experimentado uma fase de crescimento e consolidação nas décadas recentes, exatamente sob o comando dos dois ex-governadores de Pernambuco, hoje a legenda sofre com a divisão interna e a falta de identidade de vários titulares de mandato com a ideologia partidária mas, sobretudo, sofre com a ausência de uma liderança forte, que aglutine a sigla e a conduza de forma unificada, como faziam Arraes e seu sucessor Eduardo.

Atualmente, mesmo com as divergências internas, o PSB se mantém entre os partidos de porte médio. Com 666 mil filiados em todo o país, tem a sexta maior bancada na Câmara, com 37 deputados federais, além de seis senadores e três governadores – Paulo Câmara (PE), Rodrigo Rollemberg (DF) e Ricardo Coutinho (PB). Com diretórios nos 27 Estados, os socialistas contam com 418 prefeitos, 387 vice-prefeitos, 63 deputados estaduais e 3,6 mil vereadores. A maior força, graças ao legado de Arraes e Eduardo, ainda se concentra em Pernambuco, onde o PSB tem 35,7 mil filiados, sete deputados federais, 13 deputados estaduais, 69 prefeitos e 41 vices, além de 355 vereadores eleitos em 2016.

Embora radicado em Brasília, o presidente nacional do partido, Carlos Siqueira, é pernambucano. Assim como o vice-presidente nacional, Paulo Câmara, e o primeiro-secretário nacional, prefeito do Recife Geraldo Julio. Fiel à tradição dos embates internos no PSB, o bloco pernambucano está prestes a enfrentar uma dura briga, em outubro próximo, pelo comando da legenda. O cargo está na mira do grupo do vice-governador de São Paulo, Márcio França, defensor de uma aliança nacional com o PSDB do governador Geraldo Alckmin, a quem França planeja suceder no governo paulista em 2018.

Lutas internas

Os embates internos, aliás, não são novidade para o PSB, que lida com divergências praticamente desde a fundação do grupo intitulado Esquerda Democrática em 1945, após a ditadura do Estado Novo. Esse ajuntamento de políticos, escritores profissionais liberais e até militares de esquerda daria origem ao partido dois anos depois, em 6 de agosto de 1947, quando figuras como João Mangabeira, Antônio Cândido e Hermes Lima divulgaram um manifesto, de cunho socialista, contrapondo-se ao getulismo do PTB e ao liberalismo da UDN. Com o PSB, eles também pretendiam se distanciar do stalinismo adotado à época pelos comunistas, embora tivessem assimilado algumas teses marxistas, como a da socialização dos meios de produção, defendida por Arraes ao longo de toda a sua carreira política.

Ao longo da sua primeira década de existência, porém, o PSB abrigou militantes do PCB, jogado na ilegalidade, e reviu o antagonismo com o PTB. Assim, começou a obter conquistas eleitorais importantes. Em particular, em Pernambuco elegeu Pelópidas Silveira em 1955 para a prefeitura da capital, numa aliança com o PTB, o PTN e os comunistas. Era a Frente do Recife, responsável também pela eleição de Arraes como sucessor de Pelópidas na prefeitura e, dois anos depois, ao Governo do Estado.

Refundação

Mas foi a partir da refundação do partido, em 1985, que o PSB começou a ganhar o tamanho que term hoje. Naquele ano, ofereceu a legenda para Jarbas Vasconcelos – que deixara o PMDB após perder a briga pela candidatura a prefeito do Recife para Sérgio Murilo Santa Cruz – e garantiu sua vitória. O principal marco entretanto, viria exatamente após o rompimento entre Jarbas e Arraes, processo iniciado em 1990 e desfechado dois anos depois.

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Após a “chapinha” do PSB em 1990, relação entre Arraes e Jarbas se deteriorou de vez (Foto: Arquivo)

Em 1990, descontente com os rumos do PMDB, Arraes deixou o partido e montou uma chapinha de candidatos a deputado federal que, embora coligados na majoritária com Jarbas, então candidato a governador, disputou a proporcional aliado apenas ao PCdoB. Arraes sagrou-se o deputado federal mais bem votado do país, e levou consigo – graças à matemática eleitoral – mais quatro socialistas e um comunista, todos com baixíssima votação, mas beneficiados pelos quase 340 mil votos obtidos pelo ex-governador.

As divergências internas no PSB recomeçaram logo depois, com Arraes derrotando o veterano socialista Roberto Amaral na disputa pela presidência nacional do partido, em 1993. A partir daí, ele permaneceria por dez anos no comando. A cada renovação do mandato, Arraes enfrentava uma oposição, mas jamais perdeu uma eleição interna. Entre os que se opuseram a ele no PSB estavam o próprio Amaral, a deputada Luiza Erundina e o ex-governador Ronaldo Lessa.

Miguel Arraes só passou o bastão no PSB pouco antes da sua morte, ao neto Eduardo Campos, que comandou o partido também por quase uma década, até seu falecimento precoce, no acidente aéreo em Santos, litoral paulista, em 2014. Mais articulado que o avô, Eduardo conseguiu fortalecer ainda mais o partido, ampliando espaços nos Estados e em nível nacional. E coube a ele ensaiar o maior salto que o PSB poderia ter dado: a Presidência da República, projeto ao qual o próprio Arraes também aspirou no passado.

Em 2014, ao concluir dois mandatos bem sucedidos à frente do Governo de Pernambuco, Eduardo sonhou alto, e foi acompanhado pelo partido. Certo de que tinha possibilidades de chegar ao segundo turno da disputa presidencial, ele colocou seu nome como alternativa ao PT de Dilma Rousseff e ao PSDB de Aécio Neves. Segundo afirmam até hoje seus aliados, não fosse o acidente, mesmo que terminasse o pleito derrotado o ex-governador poderia, no mínimo, ter elevado o PSB à terceira força política nacional. O fato é que a participação do PSB nas eleições presidenciais de 2018, aos 70 anos de fundação, ainda é uma incógnita.

Seminário

Eduardo Campos, aliás, será o principal homenageado no seminário que o PSB promoverá, nos próximos dias 10 e 11, no Hotel Nacional, em Brasília, para marcar a passagem dos seus 70 anos de fundação. O partido reunirá políticos, artistas e intelectuais do Brasil e do exterior, especializados em várias áreas, para realizar conferências, debates, atos culturais e shows. Entre elas, querdiscutir os desafios da esquerda democrática no Brasil e no mundo, e a conjuntura política atual.

ADILSON GOMES, O “BRAÇO DIREITO”

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Depois de anos ao lado de Arraes, Adilson manteve a função com Eduardo: “diferenças só de estilo”(Foto: Arquivo pessoal)

Quem conviveu mais de perto com Miguel Arraes e Eduardo Campos sabe que os dois ex-governadores dividiram não apenas o comando do Estado e do PSB nacional. Também tiveram em comum um “braço direito”, encarregado de arquivar todas as informações sobre o partido e suas lideranças em cada município do Estado. Essa foi a função cumprida pelo atual secretário-geral do PSB estadual, Adilson Gomes, ao longo de quase três décadas. Um dos fundadores do MDB em Pernambuco, no distante ano de 1966, Adilson militou no partido até 1990, quando migrou para o PSB levado pelas mãos do político que mais admira até hoje.

“Seu Adilson, preciso de alguém para me ajudar a percorrer esse Estado e identificar as lideranças em cada região, e o senhor é praticamente o dono desse partido”. Esse foi, segundo o secretário-geral socialista, o tom brincalhão do “convite” feito por Arraes quando se preparava, no início de 1986, para disputar a eleição que o consagraria governador de Pernambuco pela segunda vez. Ainda pelo PMDB. Nessa época, Adilson era ligado ao então prefeito do Recife Jarbas Vasconcelos, com quem militava desde o início do MDB, mas atendeu à convocação e nunca mais saiu do lado do ex-governador até a sua morte, em 2005.

Com o PSB completando 70 anos, Adilson Gomes tem boa parte da história dos dois maiores líderes do partido na cabeça. Aliás, de fato na cabeça, porque admite não ser afeito a colocar as coisas no papel. E foi exatamente por conta dessa característica que ele terminou dando um “impulso” na carreira política do neto de Arraes, Eduardo Campos. “Doutor Arraes se queixou um dia de que queria falar com uns prefeitos, mas não tinha sequer um telefone anotado, e me disse: ‘o senhor não faz um relatório, não me passa nada!’. Eu respondi que não sabia fazer relatórios, mas se ele quisesse, eu tinha tudo na cabeça, era só perguntar”, conta, entre risos.

Como Arraes insistisse em ter as coisas por escrito, Adilson sugeriu que o então deputado federal convocasse um dos filhos para acompanha-lo nas viagens ao interior para cumprir a função de “agenda”. Arraes lhe confessou que não via em nenhum deles o gosto pela política, até que Adilson sugeriu o nome de Eduardo Campos, universitário prestes a se formar em economia. Arraes topou, convocou o neto, que passou a anotar tudo, e aprendeu a função.

O resultado desse “empurrão” deu a Adilson a missão de permanecer como “braço direito” de Eduardo no Estado após a morte de Arraes. Questionado se havia muita diferença entre os dois políticos, ele desconversa: “Diferenças, só no estilo, o pensamento era um só”, afirma. “É claro que Eduardo, bem mais novo, tinha aquela pressa dos jovens. Queria tudo na hora. Doutor Arraes sempre foi mais tranquilo, mais paciente. Achava que tudo tinha seu tempo”, diferencia. Mas na sua opinião, foi essa “pressa” que fez de Eduardo um gestor mais arrojado que o próprio avô.

Autênticos x Moderados

Profundo conhecedor dos bastidores do PSB – não apenas em Pernambuco, mas no país – Adilson Gomes reconhece a falta que Arraes e Eduardo fazem hoje ao partido, às turras com a divisão entre grupos que disputam a hegemonia da sigla. “Doutor Arraes e Eduardo tinham comando, tinham voz. E o pessoal, bem ou mal, podia discordar, mas terminava acatando. Hoje, o PSB é um partido parlamentar, e como as coisas acontecem muito no parlamento, há muito confronto”, explica.

Mas o secretário-geral é crítico com relação aos dissidentes, e até adaptou uma nomenclatura que ele próprio vivenciou dentro do MDB, no passado. “Tínhamos  dois grupos, os ‘autênticos’, que seguiam as diretrizes e a linha do partido, e os ‘moderados’, mais conservadores e governistas”, lembra. “Hoje, o PSB tem os seus ‘autênticos’ e os seus  ‘moderados’. Os autênticos seguem as orientações do partido, já os moderados atendem às suas próprias conveniências, seja nos seus estados, seja no nível pessoal”, ataca.

Segundo Adilson, porém, esse clima no partido é, em parte, resultado da estratégia traçada pelo próprio Eduardo Campos para disputar a Presidência da República. “Eduardo juntou um bocado de gente em torno de um projeto nacional, e aí vieram alguns que não tinham nada de socialistas, mas defendiam o projeto. Esses nunca foram de esquerda. Mas estavam ali”, esclarece. Com a morte de Eduardo no acidente aéreo, no início da campanha, e a consequente frustração do projeto presidencial, a crise se instalou no PSB nacional.

Em última análise, Adilson sai em defesa do atual presidente do partido, Carlos Siqueira, que “herdou” os problemas com os dissidentes. Ele destaca que Siqueira conhece o PSB a fundo, inclusive porque começou pelas mãos de Arraes e Eduardo, de quem era auxiliar na direção partidária. “A questão é que a base parlamentar não quer aceitar o comando dele porque diz que ele não tem voto, não tem mandato, e esses parlamentares acham que só lidera quem é votado. Isso é um engano. Siqueira é um socialista orgânico”, elogia. Ele acredita, porém, que as divergências serão contornadas, e aposta em um acordo entre os dois lados para unificar o partido, que vai às urnas em outubro para escolher a nova direção nacional