Análise: Bolsonaro monta palanque em cima da tragédia de Pernambuco

O presidente Jair Bolsonaro (PL) transformou sua visita a Pernambuco – que registrou, até a manhã dessa segunda-feira, 91 mortes, 26 desaparecidos e cinco mil desabrigados em decorrência das chuvas – num palanque eleitoral em defesa de seu grupo político no Estado e de sua própria candidatura. Valeu-se ainda de sua presença na cidade do Recife para tentar remediar a imagem negativa de sua atuação na pandemia. Não faltou nem mesmo a associação da morte de Genivaldo Santos, motociclista morto em Sergipe pela Polícia Rodoviária Federal, à “bandidagem” ao lado de quem, disse ele, a “mídia sempre está”.
Depois de sobrevoar as áreas alagadas, sem pousar em nenhuma delas, o presidente deu entrevista na Base Aérea do Recife antes de voltar a Brasília. Estava acompanhado de seis ministros (Defesa, Saúde, Desenvolvimento Regional, Cidadania, Turismo e GSI), do comandante militar do Nordeste, general Richard Nunes e do presidente da Caixa, Pedro Guimarães, todos de colete para dar a imagem de equipe em operação.
No Recife, integraram-se à comitiva o prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Luiz Medeiros, que assumiu a gestão com a desincompatibilização do titular, Anderson Ferreira (PL), candidato do bolsonarismo ao governo do Estado, além do deputado federal Pastor Eurico (PL-PE), candidato à reeleição e integrante do núcleo político local do presidente.
Bolsonaro criticou o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), por “não ter tido a iniciativa de procurá-lo”, por não estar na base aérea (“resolveu ficar em casa apesar de a pandemia ter acabado”), evento para o qual o governador informou que não foi convidado a participar, e por “fazer política” em cima da tragédia.
O governador Paulo Câmara resolveu não polemizar. “Não vou comentar ato político. Nosso foco está no atendimento à população e no apoio aos municípios. Estamos no meio de uma emergência, com 26 pessoas ainda desaparecidas. Toda ajuda ao povo de Pernambuco será bem-vinda”, disse, em nota.
O clima de campanha eleitoral contaminou quase todos os presentes à coletiva de Bolsonaro. O ministro do Turismo, Carlos Brito, disse que estava sendo informado sobre a situação no Estado pelo seu antecessor no cargo, Gilson Machado, que é o candidato do PL ao Senado. O presidente da República não informou a razão pela qual a pasta foi incluída na comitiva além de ter um titular pernambucano e um ex-ministro candidato.
Brito chegou no Recife na véspera, junto com os ministros Daniel Ferreira (Desenvolvimento Regional), Ronaldo Bento (Cidadania) e Marcelo Queiroga (Saúde). Apenas o titular do MDR ligou para o governador e para o prefeito do Recife, João Campos. A comitiva foi ciceroneada pelo candidato ao Senado, Gilson Machado, que dominou a coletiva dos ministros – seu sucessor não foi a única autoridade a citá-lo.
O presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, cuja missão na coletiva parecia ser a defender a política habitacional do governo federal, paralisada desde a posse de Bolsonaro, também disse ter prestado contas de suas ações ao candidato do PL ao Senado. O clima de campanha contaminou ainda o ministro da Justiça, Anderson Torres, que, num pronunciamento de um minuto, citou cinco vezes o envolvimento da Polícia Rodoviária Federal, cujos agentes torturaram e mataram o motociclista Genivaldo dos Santos em Sergipe, no socorro às vítimas das chuvas.
No Palácio do Campo das Princesas, a única autoridade presente à coletiva do presidente a ser elogiada é o general Richard Nunes, comandante militar do Nordeste. Tanto as páginas do Exército quanto a do governo de Pernambuco no Twitter postaram as fotos da reunião em que o general participou no gabinete de crise montado pelo governador no Palácio. Um assessor diz que a relação é tão boa quanto o foi com o titular anterior do CMNE e atual comandante do Exército, general Freire Gomes.
Tragédia em Pernambuco: clima de campanha eleitoral contaminou quase todos os presentes à coletiva de Bolsonaro, em Recife — Foto: Foto: Clauber Cleber Caetano/PR