SEBASTIÃO NERY – A MACA E O SILENCIO

 

RIO – Uma maca e um homem. Nos nervosos corredores do hospital Copa D’ Dor no Rio, um funcionário com extrema velocidade, empurra uma maca com um homem deitado em cima, os pés para a frente e a cabeça para trás. Depois de zigue-zagues entrando e saindo de corredores, elevadores, salas de exames, a maca para na entrada do Centro Cirúrgico no segundo andar. E não voltará tão cedo. Aquele homem na maca era eu.

          Era o começo de dois meses de silêncio, trevas e medo. Eu sabia de tudo e não sabia de nada. No intervalo de alguns minutos entre o apartamento do sexto andar e o Centro Cirurgico, desfilou um mundo de lembranças e saudades, sobretudo das viagens e leituras dos últimos meses. Em Florença, buscando a história de Dante Alighieri à porta de seu inferno:

– “Lasciate ogni speranza voi ch’entrate.”

Em Moscou, Lenin deitado para sempre na maca de bronze.

 Em Roma, a lição multisecular gravada nas ruínas.

– “Age quod agis”(Faz bem o que fazes)Vem o silêncio e apaga tudo. 

E a divina Lygia Fagundes Telles sabe bem o que é isso. Na abertura do fascinante “Veia Bailarina” de Ignácio de Loyola Brandão, que li voltando de um Seminário de Cultura em Natal:

– “A morte dentro da graça da vida”.

          Lembrava do querido e saudoso Seminário da Bahia (Filosofia e Teologia) toda manhã antes da missa, nós, algumas centenas de meninos entre 10 e 20 anos, ouviamos Santo Afonso de Liguori : “Meditações sobre a Morte”. E foram 8 anos. Toda essa ciranda silenciosa e fúnebre passou por mim em segundos. Sabia Shakespeare (Hamlet): “O resto é silêncio”.

O CTI

Do outro lado do vidro, escorrendo e sumindo, as lágrimas de Beatriz e meus três filhos, irmãs e irmãos. O amor maior chorando incontido na janela. E, rondando a maca, onipresente, infatigável, o anjo da guarda Marcelo Melo, médico e  amigo, há mais de 20 anos cuidando de mim.

A vida me destinou um punhado de tolos recordes: eleito por três estados diferentes, três vezes cassado por três tolos generais, e agora três cirurgias e três temporadas no silêncio eterno dos CTIs. Última voz, Marcelo: “Use a coragem que sempre teve. Você vai sair dessa”.

          Pois é, com mais medo do que coragem, estou aqui de novo, três meses depois. Os médicos me deram uma vez por semana para escrever. Toda terça-feira. Não tentarei citar  milhares de solidariedades dos amigos de todos os estados. Silvestre Gorgulho, Maurício Moreira, Paiva Neto, Hélio Duque, Petrônio Gonçalves, Raimundo Eirado, Joezil Barros, Bosco Tenório… Com eles e centenas estou vencendo o dragão do silêncio.

          Vou revê-los a todos nos próximos meses lançando mais um livro, que deixei pronto, gravado no computador e em “pen drive”, antes de entrar no CTI (seguro morreu de velho).

          -“ Ninguém Me Contou, Eu Vi – Brasil de Getúlio a Dilma”, Editora Geração Editorial , que também editou a maioria de meus outros livros.

 

O PIBINHO

         

           E o Brasil? Como o reencontrei? Meu amigo e guru Hélio Duque,  economista, três vezes deputado federal do MDB e PMDB, está perplexo:

      – “O povo não se preocupa com PIB, mas com renda e trabalho”. O autor é o economista Aloízio Mercadante, ministro da Educação, ao justificar a popularidade do governo Dilma Rousseff. Com linguajar panfletário nega por conveniência o que é uma verdade independente de escola econômica. Renda e trabalho só têm sustentação com solidez se houver crescimento do PIB. Sem investimentos os ganhos salariais e a manutenção dos empregos, no médio prazo, não têm sustentabilidade. Nos últimos anos o Brasil vem tendo um crescimento econômico medíocre, medido pelo seu Produto Interno Bruto. Resta indagar: é sustentável manter renda e trabalho, com baixo crescimento do PIB?”

         – “Justiça se faça ao ilustre ministro: ele não está sozinho, a sociedade brasileira, pela sua maioria, pensa exatamente igual. Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria comprova que o medo do desemprego e redução da renda não frequenta o cenário de vida dos brasileiros. Somente 14% da população tem preocupação com as questões econômicas. A pesquisa realizada em 56 países aferiu que os brasileiros são os mais otimistas e felizes com o seu futuro. Demonstrando que crescimento econômico tem importância relativa para a população. Ignoram que sem uma base sólida de crescimento do PIB, os ganhos auferidos pelo bem estar social não tem sustentabilidade no médio e longo prazo.”

                        sebastiaonery@ig.com.br

 

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